Os deuses deliberam sobre o que fazer com o trabalho,
um deles tem a idéia de criar uma raça de escravos que
produziria cultos, imagens, oferendas e sacrifícios. Desta
forma foi criada a raça humana.
Lenda da Mesopotâmia, 2500 a . C.
O cristianismo, da forma que o conhecemos, é uma das religiões mais vampíricas que existem, alimentando-se da energia dos seus fiéis, seja dos donativos financeiros ou da energia gerada por inúmeras práticas antinaturais. Vamos tomar por base os sete pecados capitais, que estão intrinsecamente associados à vida quotidiana e à natureza humana. Você tem diante de si um manjar extremamente saboroso, seu prato predilecto; você está em bom estado de saúde, o peso compatível, enfim, nada que o proíba de se lançar com toda a gula sobre o prato delicioso, mas “Deus” o proíbe (como se Deus não tivesse coisas mais importantes com que se se preocupar).
Outro exemplo: você saiu para dançar e se depara com aquela linda mulher ou aquele belo homem (de acordo com o gosto de cada um). Uma atracção mútua acontece, os corpos clamara pela pele do outro, beijos ardentes são a decorrência natural, as mãos passeiam nas curvas do corpo do parceiro. Um quarto, um banheiro, uma sala solitária, um local para ficar a sós. A luxúria é pecado, e, em tempos de AIDS, fazer sexo sem preservativo uma loucura — problema duplo, pois o Papa condenou o uso da camisinha.
Projectando-nos em plena Idade Média, em qualquer rincão da Europa, a primeira coisa que vemos ao longe é o campanário das igrejas, a casa de Deus, diferente dos dias de hoje, em que vemos os prédios, a casa do homem. O toque dos sinos chama os fiéis cordeiros para a missa, em latim, é claro, herança dos romanos (pena que só sobrou isso da velha e devassa loba); a vida era dura, pelo menos para os fiéis, pois a Igreja era poderosíssima, senhora de terras e de opulentas riquezas que contrastavam com a miséria reinante.
Ter posses, dinheiro, era pecado, então nos apressávamos em doá-lo à Igreja — o caminho para o céu poderia ser comprado, e o Papa era infalível. Quem já leu Umberto Eco, O Nome da Rosa, terá uma imagem premente em sua mente. As antigas festas pagas foram marginalizadas, a bruxaria e os sabás considerados obra do Demónio; como já falamos no início deste capítulo, o natural é errado e mau — este é um “Deus” masculino e infantil a brigar com sua mãe natureza.
Uma pessoa comum estava em eterna luta entre seus apetites e o status religioso imposto pela igreja. Isso gerava um enorme sentimento de culpa, quebrando energeticamente a pessoa; seu poder de decisão era transferido para a Igreja, a pessoa abdicava do que há de mais divino em cada um de nós, a nossa vontade. Essas pessoas funcionavam como baterias que carregavam a egrégora vampírica da Madre Igreja. Toda a energia represada, castrada, era lançada em busca de redenção, justamente para a entidade que criava o suplício, a igreja. Dessa forma ela acumulou fiéis, terras, poder político, mas, acima de tudo, energia espiritual, um gigantesco vampiro, no aspecto mais baixo (no sentido de degradante) que a palavra possa ter.
Não estou querendo ser epicurista, ou pregar apenas o saciamento das paixões e desejos, o que digo é deveras diferente: quando um iniciado não come determinado alimento, ou jejua, não faz sexo, etc, ele ou ela (iniciado) está buscando um determinado fim — é como estudar para o vestibular. Temos que abdicar de algumas coisas para o nosso fim, e não porque estas coisas sejam más ou do “Demónio”. Como disse Oscar Wilde, a melhor forma de se livrar de uma tentação é cair nela, e somente seremos donos e senhores de algo conhecendo-o e não fugindo dele — aprende-se a andar de bicicleta andando. Um ser humano deveria testar suas capacidades, conhecer os seus limites, aí sim ele poderia se dizer livre, caso contrário ele será corno uma criança que os pais impedem de fazer isso ou aquilo por ser errado. Um bom exemplo foi Aleister Crowley: fez de tudo na vida sempre em busca de seus limites, fossem eles físicos, pois foi um grande alpinista, mentais, um grande enxadrista, ou espirituais.
Mas a era cristã não teve apenas escória como sua representante. Grandes místicos constam de seus quadros: São João da Cruz ou Santa Tereza, sem esquecer de Francisco de Assis e Inácio de Loyola. Eles foram fiéis representantes de uma era que acabou (e morre lentamente), o fim do Aeon de Peixes.
O cristianismo tem suas origens nos cultos dionisíacos e mitraicos, a sublimação, a busca pelo inatingível, o sofrimento como caminho iniciático, o colectivo em detrimento do individual. Uma lenda que passa bem o espírito original do cristianismo é a lenda de Orfeu. Orfeu foi músico e poeta, ajudou a todos que pôde sem, contudo, poder ajudar a si mesmo, e a ele são atribuídas inúmeras curas. Com o poder de sua música contagiava as pessoas, transmitindo amor e paz, e até as feras se prostravam para ouvi-lo. Foi personagem na expedição dos argonautas atrás do velocino de ouro, tendo salvado todos com o poder de sua música, quando eles se defrontaram com as sereias.
Na volta se casou, mas um infortúnio o esperava: sua bela esposa Eurídice foi picada por uma cobra e morreu, e ele, inconformado, vai até o Hades em busca de sua amada (sua música foi a chave utilizada).
Por onde ele passava nos sombrios domínios do submundo, sua música encantava a todos os horrores, as Moiras por um fugaz momento pararam de tecer, Cérbero, o cão de três cabeças de Hades, deitou-se ao embalo da suave música e as Harpias, seres rapaces e sanguinários, ficaram imobilizadas pela bela música. Por fim ele chegou até o poderoso Hades, regente do submundo e sua mulher Perséfone, e fez o pedido: queria poder reaver sua amada. Hades concorda, mas com a seguinte condição: ele não poderia olhar para trás até sair do submundo. Orfeu começa sua jornada de volta, mas a dúvida e a insegurança o invadiram, e, temendo ter sido enganado por Hades, ele se vira e vê sua amada pela última vez, e para nunca mais.
Uma dor atroz o acompanhou por toda a vida, e para remediá-la ele pregou por todo o mundo, levando sua palavra de amor. Condenava os sacrifícios e pregava uma vida mais frugal, tornando-se assim um pregador espiritual. Seu fim foi trágico: muitos julgavam que ele queria se tomar um deus, e por isso teria sido despedaçado e morto. Algumas lendas atribuem a Dionísio a sua morte, pois o deus havia ficado enciumado de Orfeu. Por sua compaixão e bondade, Orfeu foi sempre lembrado; também por seu amor incondicional e o sacrifício pelo próximo, e por não poder ajudar a si mesmo e escapar do fim terrível. Essa lenda ilustra as raízes do cristianismo e o que ele tinha de melhor, se esquecermos dos gnósticos, antes de sua secularização e total deturpação, seja do passado ou do presente, seja de católicos ou de protestantes.
O fundador do cristianismo, Jesus, quer tenha existido ou não, sabia perfeitamente dos arcanos secretos do Vampirismo, daí a preocupação com seu sangue. O ato de beber esse sangue conferia a capacidade de comungar com o Cristo (nesse caso, Jesus). A própria morte de Jesus é bastante esclarecedora; reza a lenda que o espinheiro, planta usada contra bruxas e Vampiros, foi usado na confecção da coroa de espinhos. Os cristãos atribuem a eficácia do uso de plantas espinhosas contra bruxas e vampiros devido à coroa de espinhos de Jesus Cristo. Mas essa crença é bem anterior ao cristianismo.
Seleccionei algumas passagens da vida de Jesus interessantes para o nosso estudo.
(Mateus 27:51 a 54) E eis que o véu do santuário se rasgou de alto a baixo em duas partes; a terra tremeu e fenderam-se as rochas; abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos ressuscitaram; e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus, vieram à cidade santa e apareceram a muitos. O oficial romano e os que com ele guardaram Jesus, vendo o terremoto e tudo quanto sucedera, ficaram com muito medo e diziam: “Verdadeiramente, este era filho de Deus”.
(Mateus 28:5 a 7) O anjo, dirigindo-se às mulheres, disse: “Não tenhais medo. Sei que procurais Jesus, o crucificado. Não está aqui, ressuscitou, conforme tinha dito”. A mim o sangue e o corpo, a morte e a ressurreição, a ressurreição da carne.
A Igreja, exímia em criar formas de estabelecer o seu poder, usou, entre os vários elementos, dois muito relevantes ao Vampirismo: a excomunhão e o exorcismo. Antes de tratar deles directamente, faz-se mister esclarecer alguns pontos. O poder mágico de qualquer ritual reside mais no operador do que na fórmula utilizada (é claro que existem as fórmulas poderosíssimas, como o enoquiano, zos kia e, claro, magick. Mas o operador, o magista, é o elemento mais importante no ritual.) Para que o exorcismo ou a excomunhão surtisse efeito, era necessário que a vítima deles estivesse sob a influência do cristianismo.
A criança, ao nascer, sofre indefesa o baptismo, e daí em diante são implantados nela toda a sorte de dogmas. Quando adulto, o universo pessoal e, consequentemente, mágico, está repleto desses ícones, e por mais que ele às vezes transgrida as leis religiosas, no seu interior há algo que o acusa.
Dessa forma, a Igreja tem os elementos perfeitos para exercer o seu poder. Essa prática foi usada ao extremo por católicos e protestantes. Independentemente de a maior parte ser simplesmente teatro (o leitor, em suas madrugadas insones, deve ter tido amostras televisivas disso), nos casos verídicos os demónios envolvidos são crias do próprio cristianismo. No mito do vampiro, isso é claro, e o número de casos de vítimas de excomunhão que se tornam vampiros é enorme. Quem vem “salvar a comunidade”? A própria Igreja criadora do problema — muito curioso.
Havia um ponto de discórdia entre católicos romanos e ortodoxos: a incorruptibilidade dos corpos. Para o romano, prova de santidade; para o ortodoxo, maldição. Para o vampirologista Dom Augustin Calmet, o vampiro era obra do diabo, que se apossava do corpo do morto para práticas vampíricas. Menciona a excomunhão como um dos elementos que podem tornar alguém um vampiro. Ele escreveu um livro, Dissertation sur les Aparitions des Anges, des Démons et des Esprits, et sur les Revenants et Vampires de Hungrie, de Bohême, de Moravie et de Silésie, em que trata da problemática do vampiro. Nesse livro, relata, por exemplo, que era comum pessoas mortas há anos aparecerem em festas, ocasionando mortes de outros participantes.
Leone Allaci publicou em 1645 suas observações e teorias a respeito do vampirismo. Seu foco foi a Grécia, sua terra natal. Também para ele, o diabo é um elemento decisivo para o fenómeno do vampirismo. O diabo (vampiro) sai em sua ronda nocturna por aldeias e vales, passando pelas habitações. Ele então chama as pessoas pelo nome, e quem responde morrerá brevemente. O Vrykolakas chama uma única vez. O vampirologista Leone Allaci estudou o poder da excomunhão e da absolvição, convencendo-se amplamente de seu poder. Giuseppe Davanzati foi um crítico da histeria sobre o vampirismo, tentando desmistificar o fenómeno. Ele escreveu, na cidade de Nápoles, o livro Dissertazione sopra i Vampiri. E praticamente impossível falar de cristianismo institucionalizado sem falar do Diabo, e da obra de Satã. Aqui nos restringimos à óptica cristã, e não nos referiremos aos cultos setianos ou a Shaitan, que são tão antigos quanto o tempo.
A ligação entre o vampirismo e o satanismo é evidente para muitas pessoas. Para a teologia cristã, o vampiro era uma entidade que andava à margem da graça de Deus. Consequentemente, nos domínios de Satã. Já em 1645, Léo Allatius escreveu o primeiro livro que tratava do vampirismo, o que nos faz imaginá-lo como um assunto que preocupava algumas comunidades paroquiais. A Inquisição da igreja cristã foi o elemento que jogou de vez tanto a bruxaria quanto o vampirismo para o lado do satanismo.
Voltando à descrição de Allatius, que estudou profundamente o vampirismo na Grécia, o vampiro grego (Vrykolakas) era definido como tendo o corpo incorruptível, não sofrendo a putrefação natural. Quando esse fenómeno de não-putrefação ocorria, o clérigo local era chamado, por tratar-se de obra demoníaca. O padre fazia algumas preces à Virgem Maria e, novamente, oficiava o funeral do corpo em questão. Allatius retirou essa descrição de escritos de data desconhecida.
É interessante notar que o próprio Allatius descrevia os vampiros como aliados do Príncipe do Mal. Para ele, os demónios reanimavam os corpos dos defuntos. Esse pensamento de Allatius não é, de nenhuma forma, sui generis. Em Montenegro, o vampiro era o corpo de um morto possuído por maus espíritos.
Como já vimos, o Baital indiano era o vampiro-demônio que animava cadáveres para suas actividades.
Cascarrões de defuntos são possuídos por Qliphoth, que se aproveitam das memórias do morto para seus fins nefastos. O vampiro satânico, para a mentalidade católica, seria sujeitado pelos ícones sacros (ou ortodoxos) dos católicos, ou seja, água benta, crucifixos, hóstia, etc. Na verdade, o que notamos por nossa experiência é que qualquer símbolo religioso terá a força da egrégora da religião da qual provém, aliado à força humana que projeta o divino através desse símbolo. Consequentemente, essas são armas poderosas contra forças antagónicas.
Dom Augustin Calmet fez um amplo estudo sobre os casos de vampirismo na Europa Oriental e tinha a mesma opinião de Allatius, ou seja, também pensava que os demónios animavam o corpo dos mortos.
Seus trabalhos foram lidos em toda a Europa. Os Vampiros existem, e são obra de Satã, são corpos reanimados pelo demónio, segundo ele. Léo Allatius cita o Malleus Maleficarum {O Martelo das Maléficas, um guia de caça às bruxas), no qual as mesmas regras para a existência da bruxaria eram aplicadas ao Vampirismo, ou seja, a permissão de Deus (muito engraçado, em qualquer tribunal humano Deus seria cúmplice). O diabo é um cadáver; no caso da bruxaria, eram a mesma coisa, colocando-se a bruxa no local do cadáver. Dessa forma, o Vampiro anda pelo mundo aquém da misericórdia de Deus (antes só do que mal acompanhado, afinal o Deus cristão, com suas ignomínias, pedindo crianças cm sacrifício ou apostando e tomando parte na obra do diabo, para depois condenar à danação o infeliz pecador, não me parece uma companhia agradável). Dessa forma, o Vampiro estava atado a Satã, o opositor de Deus.
A Igreja Católica Apostólica Romana, e a Ortodoxa também, preocupava-se com a mutilação que a caça aos Vampiros estava produzindo em inúmeros cadáveres, pois esses corpos de cristãos estavam à espera da ressurreição. Bem, quase todos, devido à peste de Vampiros que assolou a Europa no século XVII, é de se imaginar que alguns ressuscitaram por conta própria. Drácula, de Bram Stoker, deixa clara a origem satânica de seu vampiro. Por crer que seu deus o havia traído, o príncipe Vlad o renega e amaldiçoa a cruz criando, dessa forma, uma aliança com as trevas e Satã. É interessante notarmos que Stoker foi membro da Golden Dawn (Aurora Dourada, a mesma à qual Crowley pertenceu), uma das mais importantes ordens mágicas de todos os tempos. Nela, ele entrou em contacto com a magia, a cabala, as técnicas de viagem astral e inúmeros eventos fantásticos.
Outra fonte de Stoker foi o livro de Emily Gerard, The Land Beyond the Forest (A Terra Além da Floresta). Nesse livro, fala-se a respeito de uma escola na Transilvânia, que era presidida por Satã em pessoa. O vampiro era naturalmente associado aos íncubos e súcubos, demónios noturnos que tentavam os fiéis com o pecado da luxúria. Para o imaginário medieval, havia uma entidade que seduzia e levava as mulheres a realizar actos sexuais enquanto dormiam. Essa entidade, com aparência masculina, era o incubo. Ele poderia se transformar num súcubo, que era a sua contraparte feminina. Para outros, súcubos e incubo eram entidades distintas. Mas, seja como for, a sua maneira de agir era inquestionável.
Alguns padres diziam que um demónio poderia assumir a forma de um súcubo, copular com um homem e utilizar seu esperma para engravidar uma mulher, visitando-a como um incubo. Tomás de Aquino narrava que crianças eram geradas através dessa prática.
O nome incubo deriva da raiz latina para incubação. Antes do cristianismo, havia a prática corrente de pessoas dormirem nos templos, onde eram visitadas pelas divindades, prática esta que remonta à Mesopotâmia (as mulheres eram visitadas pelo deus Marduk e era praticada a prostituição sagrada).
Ludovico Maria Sinistrari afirma que os “sucos vitais” e a virgindade eram o objetivo de íncubos e súcubos. Os íncubos poderiam tomar a forma de alguém respeitável para a vítima, o que lhe facilitava o ataque. O Papa Silvestre II era conhecido por manter um caso com um súcubo. O envolvimento de grande número de clérigos com o satanismo é evidente; como exemplo nós temos o Abade Beccarelli, que promovia intensas orgias, nas quais curiosamente se fazia uso de artes mágicas para quem quisesse mudar de sexo. Sem falar de uma infinidade de Grimórios atribuídos a Papas como o Grimório do Papa Honório.
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