Habitante das trevas da morte, o vampiro é movido pela nostalgia que sente em relação à vida. A saudade que o move o faz desejar a vida; sua solidão o faz querer companhia. Por isso, nas lendas folclóricas, ele volta para visitar os parentes e vizinhos. Mas traz consigo a maldição: como não pertence ao mundo dos vivos, contagia com a morte aqueles que reencontra.
Esse é um tema recorrente desde que Bran Stoker publicou sua obra imortal, Drácula - sem dúvida, o vampiro mais famoso de todos os tempos. Em busca de Mina, provavelmente a reencarnação de sua antiga amada, Drácula deixa seu castelo na Transilvânia e vai a Londres. No entanto, tudo o que ele leva é desgraça e morte para aqueles ao redor de Mina.
O aspecto romântico do vampiro encarna uma profunda realidade humana. Sigmund Freud (1856 – 1939), tido como “Pai da Psicanálise”, afirmou que há duas forças que impulsionam a psique humana: o medo da morte e o desejo pela vida, expresso pela busca do sexo. Freud identificou esses impulsos com duas entidades da mitologia grega: Eros, deus do amor, e Tanatos, deidade que representa a morte. Tal percepção é tão profunda que gerou o mito dos fantasmas que voltavam do Além para assombrar os vivos – o movimento da morte desejando a vida. Essas antigas lendas foram associadas a fenômenos da decomposição e acabaram gerando o vampiro, um ícone tão poderoso que vem sendo desenvolvido e atualizado ao longo de eras. O desejo do vampiro pela vida é o nosso próprio desejo de resistir à morte ao buscar o romance e o sexo.
Muitas histórias narram o amor impossível entre essas criaturas e mortais. Nesse caso, quase sempre o vampiro se vê dividido entre a vontade de conferir à sua amada a imortalidade e a consciência da maldição que isso acarreta. Em alguns casos, o morto-vivo sente culpa até mesmo por ter de consumir sangue humano. É o bom vampiro.
Esse tema é central no romance Entrevista com o Vampiro, de Anne Rice. O anti-herói criado por Rice, Lestat, julga que tem direito de matar para existir. Ele é contrastado por Louis, seu relutante companheiro, que sofre com a necessidade de prolongar sua vida causando a morte de outros.
Na obra de Rice, os vampiros são quase sempre os personagens mais humanos, buscando respostas para as questões que assombram a humanidade. Quando Louis se encontra com Armand, o vampiro mais velho do mundo, então com 400 anos, ele se decepciona pelo fato de que Armand não descobriu nenhuma das respostas para as dúvidas existenciais que o afligem.
De fato, o tema de fundo de muitas histórias de vampiro é o bom morto-vivo contra o mau. Essas duas forças que se opõem são, muitas vezes, retratadas como irmãos atraídos pela mesma mulher, que lutam um contra o outro através dos séculos. Um motivado pelo o amor e o outro, pela vingança.
Outra situação que o vampiro romântico tende a enfrentar é o desejo de defender sua amada do mal que existe dentro dele. Essa abordagem está presente na série de TV clássica, Dark Shadows, em que Victória Winters é a reencarnação do verdadeiro amor do vampiro Barnabás Collins.
O aspecto romântico desta criatura também deriva, certamente, da disposição dos escritores e poetas que sistematizaram as antigas lendas folclóricas sobre o vampiro, transformando-o em uma figura literária que permanece através dos tempos. Esses escritores pertenciam à segunda geração do movimento romântico, também conhecida como “ultrarromântica”. São autores como Lord Byron (1788 – 1824), Charles Baudelaire (1821
- 1867), e Castro Alves (1847 – 1871), que cultivavam o lúgubre e a atração pela morte. Bom exemplo disso é um dos mais famosos poemas de Byron, no qual ele descreve o crânio que seu jardineiro desenterrou por acaso em seu jardim. Byron mandou revesti-Io com joias e o usava como caneco. O poema foi traduzido para o português por nenhum outro senão Castro Alves, igualmente famoso pela sua veia ultrarromântica.
É inegável que o vampiro tem um charme próprio. A atração exercida por ele, como a do herói gótico, está na sua total solidão. Este morto-vivo encerra em si a beleza trágica do anjo caído, do amaldiçoado, do maldito. Ele tem um poder inimaginável. No entanto, sua fraqueza – e por vezes sensibilidade – o torna extremamente vulnerável. Por motivos óbvios, é incapaz de se comprometer totalmente com a heroína e deve esconder suas motivações. Quando a amada descobre os seus segredos – e em praticamente todas as historias românticas de vampiro isso acontece – , ela quase sempre reconhece uma centelha de bondade no morto-vivo à qual o redime.
Mas o vampiro e sua amante têm que enfrentar uma questão extremamente difícil: o fato de pertencerem a mundos totalmente diferentes. A confiança se torna, então, a chave dessas histórias. A heroína coloca, em um gesto incomensurável de amor, sua vida nas mãos de alguém com o poder de, em um momento de fraqueza, destruí-Ia. Em alguns casos, a amada, atraída pela promessa de vida eterna, entra no mundo de seu amante e se torna uma vampira. Em outras, aprende a aceitar e a viver com essa condição, como no romance Midnight f(jss, de Nancy Gideon.
Um paralelo ao tema do vampiro romântico e sua amada pode ser traçado com a lenda europeia A Bela e a Fera. Na história recolhida por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, uma bela donzela é mantida prisioneira por um príncipe que, de tão cruel, foi transformado em monstro por uma bruxa. A jovem acaba cativando o coração da fera, que se redime e se transforma, encontrando em si a humanidade que perdera. Da mesma forma, o vampiro, amaldiçoado pela sua condição de viver em um limiar entre a vida e a morte – portanto, nem vivo nem morto -, descobre na mulher sua redenção. E, então, cai o pano .
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